Professor Titular, Faculdade de Educação da USP
Entrevista - Diário na Escola, Santo André, 2004.
Projeto é lançar-se para o futuro, com orientação. É a busca pelo que se pretende ser e conhecer. É a procura por respostas para uma interrogação que provoca interesse e incomoda.
Dentro deste contexto de projeto não cabe uma proposta fechada que seja imposta para os alunos. Eles precisam lançar-se para um futuro aberto e não criado.
Dentro deste contexto de projeto não cabe uma proposta fechada que seja imposta para os alunos. Eles precisam lançar-se para um futuro aberto e não criado.
O professor titular e diretor do departamento de metodologia do ensino e educação comparada da Faculdade de Educação da USP, Nilson José Machado, defende estas idéias e diz acreditar que o destino escolar dos estudantes está ligado à capacidade deles de estabelecer projetos e de criar interrogações, expectativas e interesses para lançarem-se sobre eles.
Lançar-se para o futuro
Segundo Machado, o fundo filosófico para o conceito de projetos vem de um pensador espanhol, Ortega y Gasset, que falava de futurição – um termo que pode ser entendido como lançar-se sempre para o futuro. “Ortega não usou a palavra projeto. Mas nesta vertente, entende-se por projeto um modo de agir do ser humano que define quem ele pretende ser e como se lançar em busca de metas. Quem não procura nada, quem não tem metas, morreu e esqueceu de ser avisado. O que vai acontecer, depende do sujeito”, diz.
O professor afirma que os projetos podem ser considerados em diversas escalas. Por exemplo, num país, com a definição de seus rumos e metas; na escola, com a busca por se enraizar na comunidade. Mas no âmbito escolar, ele afirma que os projetos devem estar diretamente ligados ao conceito de cidadania. “A idéia de cidadania está articulada com a idéia de projeto, de metas pessoais ligadas a uma meta coletiva. Um trabalho em grupo dentro da sala de aula é um exercício de cidadania, uma vez que envolve pessoas com suas personalidades diferentes que, ao realizar um determinado projeto, buscam um resultado, uma meta comum”.
Machado explica que John Dewey (1859-1952), teórico da educação, escreveu em livros como Democracia e Educação que pensava a escola como uma micro-sociedade e não só como uma preparação para o futuro. “O trabalho com projetos é um micro-exercício da vida em sociedade, pois define as metas comuns dos indivíduos”, afirma o professor.
Para Nilson José Machado, há uma banalização do uso da palavra projeto na escola.
“Todo trabalho se chama projeto. É como aqui na faculdade: todos precisam estar desenvolvendo projetos, mas nem tudo são realmente projetos. Alguns são trabalhos. Um curso de capacitação, por exemplo, é um trabalho não um projeto. A essência do projeto é a incerteza de sua realização.”
“Todo trabalho se chama projeto. É como aqui na faculdade: todos precisam estar desenvolvendo projetos, mas nem tudo são realmente projetos. Alguns são trabalhos. Um curso de capacitação, por exemplo, é um trabalho não um projeto. A essência do projeto é a incerteza de sua realização.”
Certeza da dúvida
O professor defende que um projeto não pode ser previamente condenado ao fracasso, nem tão pouco ao sucesso e não pode ter metas triviais nem impossíveis. “Metas assim não mobilizam. Num projeto deve sempre existir o risco, mas não a impossibilidade. A existência de um projeto está ligada à dúvida, ao estudo e a uma meta em aberto. Nos trabalhos desenvolvidos nas escolas muitos não tem características de projeto. “O professor não pode definir sozinho, sem a participação e interesse dos alunos, qual será o tema de um projeto. Um indivíduo não pode ter um projeto ou uma meta pelo outro”.
Machado diz que cada aluno precisa ter uma pergunta, uma dúvida, coisas que pedem discussão, pesquisa e geram incerteza e, conseqüentemente, interesse. “O que acontece é que os alunos são surpreendentes quando são estimulados à dúvida e à pergunta. Surgem questões admiráveis.”
Para o educador, os projetos não precisam estar presos apenas a pesquisas de assuntos sofisticados para despertar o interesse e a criatividade dos estudantes. No ensino fundamental, por exemplo, basta pedir para que os alunos olhem para o céu, para a lua e para o sol. A lua e o sol parecem ser do mesmo tamanho, mas o sol é muito maior. Por que não parece ser assim? É uma pergunta que muitos adultos não pensam sobre ela. Acontece que o diâmetro do sol é 400 vezes maior que o da lua, mas por um capricho exato da natureza, ela está 400 vezes mais distante da Terra que a Lua causando a impressão da lua e do sol serem do mesmo tamanho.”.
O projeto, portanto, tem que envolver uma dúvida sincera. “O conhecimento para a criança dentro da sala de aula está sendo criado continuamente. O projeto não se trata de um teatro, de uma falsificação, mas de colocar o foco na criação.” ·.
Espaços de convivência
Para o professor, os projetos são uma ferramenta pedagógica a mais e não substituem a aula no seu sentido mais tradicional. “A tragédia na escola acontece quando a aula é o único espaço de convívio, desenvolvimento e troca de conhecimentos. Deve haver muitos espaços. Alguns maiores, outros menores que a sala de aula. Num grande espaço, uma pessoa fala para outras 400 – caso de uma palestra, de uma conferência de uma peça de teatro. Esses espaços maiores são deflagradores. Uma palestra sobre água, por exemplo, pode ter uma exploração de conteúdo por diversas disciplinas, é transdisciplinar. Nos espaços menores, a relação é de uma pessoa diretamente com a outra. Do professor em contato próximo do aluno, numa relação de tutoria”, diz.
Machado utiliza a vida acadêmica na Faculdade de Educação da USP para exemplificar a importância do contato íntimo entre educador e aluno: “aqui na universidade, recebemos pessoas para orientação de mestrado e doutorado. Nós acompanhamos o surgimento da dúvida. Para isso, tem que haver um orientador. Se é assim em nível de pós graduação, imagine na graduação – a orientação tem que ser mais presente ainda. No ensino médio, mais ainda. No fundamental, então, é onde o contato professor e criança precisaria ser mais estreito”
Deve haver, segundo Nilson José Machado, espaços para interação pessoal entre alunos e educador sem que sejam espaços de contato com hora marcada. “Tem que ser um espaço natural de convivência.”
Mas ele explica que o professor é remunerado como horista, e não tem tempo para esse nível de convivência “e uma hora de tutoria não funcionaria; uma aula seria melhor para o aluno.” Porém, ele diz, “há dias que o estudante não quer aula, quer atenção, quer conversar com o professor, contar seus problemas. Na escola faltam estes espaços complementares à aula.”
Mas ele explica que o professor é remunerado como horista, e não tem tempo para esse nível de convivência “e uma hora de tutoria não funcionaria; uma aula seria melhor para o aluno.” Porém, ele diz, “há dias que o estudante não quer aula, quer atenção, quer conversar com o professor, contar seus problemas. Na escola faltam estes espaços complementares à aula.”
Por isso, Machado defende ser necessário criar-se condições de trabalho para o professor. “Por exemplo: a faculdade de Educação da USP têm uma escola de aplicação. A diferença de remuneração com a rede pública não é expressiva. Expressiva é diferença de condições de trabalho. Numa jornada de 40 horas de trabalho semanais, os professores só precisam dar entre 12 e 14 aulas. Eles têm tempo para ficar na escola, para participar de projetos, de viagens para estudo do meio. Quando são oferecidas condições de trabalho o professor vai em frente. Ninguém quer repetir todo ano a mesma aula, mesmo sabendo que todo ano os alunos são diferentes. É preciso haver condições para tratá-los com as diferenças deles.”
Projeto e faculdade
De acordo com o professor Nilson José Machado, na USP ocorre todo ano uma tragédia educacional. “São 100 mil alunos que disputam 8 mil vagas. Ou seja, é uma disputa árdua que deveria selecionar aqueles realmente mais preparados. Mas será que eles estão de fato preparados? Será que têm um projeto de vida? Será que aprenderam a desenvolver este projeto?”
De acordo com Machado, os números mostram que não. “Dos 8 mil que ingressam nos cursos superiores, só 5 mil se formam. Os outros trocam de curso, desviam, desistem, ou levam 8 ou 9 anos para concluir cursos que duram 4, 5 anos.”
O professor defende a tese de que estes estudantes que passaram no vestibular tinham conteúdo mas não tinham projeto, estavam despreparados para tomar uma grande decisão.
“As escolas deveriam parar de propagandear quantos alunos colocam na faculdade, para mostrar quantos deles se formaram. Aí sim estarão mostrando que realmente prepararam bem os estudantes. Uma escola precisa ser avaliada pela formação que dá e não por quantos estudantes coloca no curso superior.”
O professor defende a tese de que estes estudantes que passaram no vestibular tinham conteúdo mas não tinham projeto, estavam despreparados para tomar uma grande decisão.
“As escolas deveriam parar de propagandear quantos alunos colocam na faculdade, para mostrar quantos deles se formaram. Aí sim estarão mostrando que realmente prepararam bem os estudantes. Uma escola precisa ser avaliada pela formação que dá e não por quantos estudantes coloca no curso superior.”
Portanto, deveria haver sempre o desenvolvimento de projetos, naquele sentido do aluno, da criança, do adolescente, projetar-se para frente, para o futuro, com uma meta a ser alcançada, com uma dúvida a ser respondida, com busca de conhecimento. Proporcionando o desenvolvimento de projetos reais e substanciais para o futuro do aluno, preparando-o inclusive para seus projetos de vida.
Fonte: http://www.fm.usp.br/tutores/bom/bompt54.php
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